Na década de 70, a filmografia de David Samuel Peckinpah (1925 - 1984) rendeu-lhe o título de "poeta da violência", fazendo do diretor americano, um dos ícones de uma geração que influênciou cineastas contemporâneos como Quentin Tarantino, notório fã de Peckinpah, que frequentemente, faz referência à temática e ao estilo gráfico da obra do diretor.
Em seus filmes, a violência das cenas de ação era expressa de forma inovadora, com edição entrecortada, efeitos sonoros e muitas tomadas em câmera lenta dentro de um contexto estético considerado "chocante" para a época.
A pesar do realismo, a violência não era a característica principal de seus filmes, e sim, a forma como era manipulada em função dos personagens.
Peckinpah participou de forma expressiva na concepção de um cinema moral (não moralista) que destacava decisões, escolhas éticas, e suas consequências. Seus westerns têm sintonia com clássicos do gênero, marcados pela ingenuidade moral presente na obra de mestres como John Ford.
Por anos, a personalidade extremista de Peckinpah gerou rumores sobre possíveis distúrbios emocionais. Muitos diziam que ele era maníaco-depressivo e paranóico. Esses rumores ganharam força com o notório abuso de álcool e drogas que comprometia a produção de seus filmes e causava desentendimentos com produtores e equipe, prejudicando a reputação e a carreira do cineasta.
Mesmo assim, o legado de Sam Peckinpah é marcado por sua ousadia e coragem ao romper com os padrões da indústria do cinema americano sem medir conseqüências. Grande parte de sua filmografia gera controvérsia até hoje.
Entre 1955 e 1960, Peckinpah trabalhou na televisão como roteirista e diretor de várias séries de westerns e policiais como Gunsmoke, The Rifleman, The Westener e Route 66.
Com tanta turbulência, Juramento de Vingança fracassou nas bilheterias e foi massacrado pela crítica, prejudicando sériamente a reputação de Peckinpah.
A situação melhorou em 1966, quando Peckinpah adaptou e dirigiu Noon Wine na TV. Com uma hora de duração, o filme foi exibido no programa Stage 67 da rede ABC com excelente repercussão crítica, rendendo a Peckinpah, indicações do Writers Guild e do Directors Guild of America.
Noon Wine foi um divisor de águas, demonstrando o potencial dramático e artístico do diretor. Tornou-se uma raridade, e até hoje, só pode ser assistido na Biblioteca do Congresso e no Museum of Broadcasting de Washington.
Em 1969, Sam Peckinpah alcança o reconhecimento mundial com Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch), um western controverso que registrou o início da estilizada violência que marcou sua obra.
Estrelado por William Holden, o filme conta a história de um veterana bando de foras-da-lei remanescentes da famigerada quadrilha dos Dalton, que acaba se envolvendo na sangrenta revolução mexicana. A época destaca o fim do Velho Oeste e da Era do Cowboy, causada pela formação das grandes fortunas dos famosos "Barões bandidos".
Nesse contexto, os indivíduos que não acompanham essas mudanças são derrotados por esse código pré-capitalista caracterizado pelas novas tecnologias de guerra como a mortífera metralhadora M1917 Browning, capaz de dizimar um batalhão. Muitos notaram um paralelo da violência do filme com a Guerra do Vietnã, que se encontrava no auge à época das filmagens.
Seu filme seguinte, A Morte Não Manda Recado (The Ballad of Cable Hogue, 1971), surpreende o público com tons de comédia e quase nenhuma violência.
Jason Robards interpreta Cable Hogue, um atrapalhado empreendedor que sonha com a fortuna após encontrar água no deserto que serviria para abastecer as carroças que passavam nessa remota trilha. Irônicamente, seus planos desabam quando surge no horizonte, o primeiro automóvel.
Filmado no deserto de Nevada, a produção foi problemática. Constantemente alcoolizado, Peckinpah demitiu 36 membros da equipe e estourou o orçamento em US$ 3 milhões, encerrando sua parceria com a Warner Brothers.
O fim da parceria com a Warner Brothers limitou as perspectivas profissionais de Peckinpah que, como "persona non-grata" em Hollywood, se viu obrigado a viajar à Inglaterra para rodar seu projeto seguinte.
Considerado como seu filme mais sinistro e perturbador, Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971), reforçou a nova tendência realista (sem final feliz) do cinema dos anos 70.
Dustin Hoffman interpreta David, um tímido professor que se muda para o interior da Inglaterra com sua bonita e liberal esposa (Susan St. George), buscando fugir do caos que as manifestações de oposição à Guerra do Vietnam causavam nas universidades americanas.Peckinpah reescreveu o roteiro original inspirando-se nos livros African Genesis e Territorial Imperative, que debatem a tese de que o homem é, essencialmente, um animal carnívoro e instintivamente territorialista.
Fora do "esquemão" hollywoodiano, o diretor teve liberdade para exorcisar seus demônios, retornando à violência gráfica que incluiu uma longa e chocante cena de estupro considerada ofensiva numa época em que as mulheres lutavam pela igualdade social.
Ainda em 1971, filmes como Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), de Stanley Kubrick, Operação França (The French Connection), de William Friedkin e Perseguidor Implacável (Dirty Harry), de Don Siegel, também causaram muita polêmica por sua temática violenta e sexual. Essa tendência controversa chegou ao auge em 1976 com o impacto causado por Taxi Driver, de Martin Scorsese.
Steve McQueen interpreta Junior Bonner, um veterano campeão de rodeios que volta à sua cidade natal para reencontrar o irmão e disputar um torneio, enfrentando o mesmo touro que o ferira gravemente no passado.
Peckinpah e Steve McQueen se reuniram novamente em Os Implacáveis (The Getaway, 1972), uma trama policial com romance e ação primorosa. Aclamado pela crítica, e com grande sucesso nas bilheterias, tornou-se um marco no gênero e na filmografia de Peckinpah.
McQueen interpreta o talentoso assaltante Doc McCoy, que cumpre pena numa penitenciária do Texas. Sua esposa, Carol (MacGraw), negocia sua liberdade com um mafioso em troca da realização de um novo assalto. Traído, o casal inicia uma fuga para o México, enquanto é perseguido pelos bandidos e pela polícia.
A veia criativa de Peckinpah se encontra em plena forma. A pesar de ter sido planejado como um filme "mainstream", Os Implacáveis apresenta sequências narrativas com edição não-linear, como na abertura que mostra Doc sofrendo as pressões do cárcere, e no confronto final, um emocionante "showdown" (tiroteio decisivo) conduzido com maestria por Peckinpah, repleto de tomadas em câmera lenta.
O filme deu início ao conturbado relacionamento entre McQueen e Ali MacGraw. O fato gerou um escândalo em Hollywood, pois MacGraw era casada com Robert Evans, um dos maiores produtores de cinema da época.
Os Implacáveis permanece moderno e foi revisitado por Roger Donaldson em 1994. Dessa vez, com Alec Baldwin e Kim Bassinger (casados na época) como os McCoys.
Pat Garrett & Billy the Kid (1973) leva Peckinpah de volta ao western e conta a história dos últimos dias do pistoleiro Billy the Kid (Kris Kristofferson), perseguido por seu ex-companheiro de aventuras, Pat Garrett (James Coburn), que agora, se tornara um xerife.
Kristofferson introduziu o cantor Bob Dylan ao projeto para compôr e interpretar a canção-tema. Até então, Peckinpah desconhecia Dylan e sua obra, mas depois de ouvir a canção, ficou tão impressionado com o talento do compositor que, além de contratá-lo para compôr integralmente a trilha-sonora, ofereceu-lhe um pequeno papel.
Entre as canções que Dylan compôs para o filme, está Knockin' on Heaven's Door, que até hoje, é considerada um clássico do folk-rock revista por diversos artistas, como Bob Marley, Eric Clapton, e Guns N' Roses.
Por pressão dos produtores, Pat Garrett & Billy the Kid foi inteiramente rodado em locações no México, dificultando muito as filmagens, atrasando sua pós-produção, e prejudicando o resultado final do trabalho.
O filme não obteve boas críticas nem o retorno comercial que merecia. Anos depois, foram lançadas versões mais próximas ao que Peckinpah havia originalmente concebido, revalorizando seu trabalho.
Atualmente, Alfredo Garcia é considerado um cult - principalmente por cineastas como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, que declararam admirar a coragem de Peckinpah em realizá-lo.
Inevitávelmente, Peckinpah sofreu uma overdose de cocaína e foi internado para aplicação de um segundo marca-passo.
Mesmo passando por uma fase ruim, Peckinpah ainda era um diretor renomado. Após Elite de Assassinos, ele recusou propostas para dirigir dois projetos que tiveram grande sucesso: o remake de King Kong (1976 - dirigido por John Guillermin) e Superman (1978 - dirigido por Richard Donner). Em lugar desses, optou por um denso drama de guerra com produção anglo-alemã e baixo orçamento.
Cruz de Ferro (Cross of Iron, 1977), gira em torno de um grupo de soldados alemães lutando para sobreviver no front soviético durante a Segunda Guerra Mundial.
Irônicamente, a maior batalha se desenrola entre três oficiais: o sargento Steiner (James Coburn), o capitão Stransky (Maximilian Schell) e o coronel Brandt (James Mason), este, um tradicional oficial prussiano que busca apenas uma coisa: ser honrado com a Cruz de Ferro.
Ao longo deste conflito, os personagens descobrem que seus objetivos de guerra superam seus instintos de sobrevivência.
O filme teve enorme sucesso comercial na Europa e foi reverenciado por Orson Welles, que declarou ser este, um dos melhores filmes anti-guerra desde Sem Novidade no Front (All Quiet on The Western Front, 1930).
Com a intenção de realizar um "blockbuster", Peckinpah assume a direção de Comboio (Convoy, 1978), um road-movie eletrizante que seguia a tendência do sucesso de Agarre-me se Puderes (Smokey and the Bandit, 1977), estrelado pelo astro (na época) Burt Reynolds, que rendeu milhões e gerou duas sequências.
Comboio foi mais uma produção problemática de Peckinpah que, com a saúde debilitada pelo álcool - e novamente, a cocaína - não tinha condições físicas para aturar a dura empreitada no calor das locações do Arizona. Os produtores então, convocaram James Coburn para concluir as filmagens, enquanto Peckinpah permanecia isolado em seu trailer.
O filme atingiu suas espectativas comerciais, tornando-se o mais rentável da carreira de Peckinpah, que aos trancos e barrancos, conseguiu realizar um filme-pipoca à sua maneira, dando mais significado à temática, com criatividade, e muito estilo.
Nos três anos seguintes, Peckinpah permaneceu inativo. Até que em 1981, seu mentor, Don Siegel, o convidou para assumir a direção da unidade secundária de sua atual produção. Peckinpah topou imediatamente, e sua colaboração com Siegel foi notada pela indústria. Mais uma vez, Peckinpah retornava do ostracismo.
Em 1982, Peckinpah encontrava-se bem debilitado, mas agarrou a oportunidade de dirigir O Casal Osterman (The Osterman Weekend, 1983), um thriller de suspense baseado no livro de Robert Ludlum.
Mesmo receiosos, os produtores acreditavam que a "marca" Peckinpah agregaria valor ao projeto. E assim, foi. Renomados atores de Hollywood se apresentaram para o teste de elenco. Medalhões como John Hurt, Burt Lancaster e Dennis Hopper, aceitaram receber uma remuneração abaixo de seu padrão para trabalhar com Peckinpah.
Ao término das filmagens, produtores e diretor quase não se falavam. Mas dessa vez, Peckinpah entregou o filme no prazo e dentro do orçamento. A versão do diretor não agradou os produtores, principalmente a abertura, uma cena de sexo bizarra que foi totalmente alterada. Além dessa, várias cenas foram deletadas.Mesmo com sequências de ação emocionantes e boa performance do elenco, O Casal Osterman não agradou a crítica, mas teve grande sucesso na Europa e no recente mercado de home vídeo.
O início da década de 80 marcou o nascimento da MTV e a ascenção dos music-videos. Nessa mídia, Peckinpah realizou seus últimos trabalhos, dirigindo dois clips de Julian Lennon: Valotte e Too Late For Goodbyes.